21 abril 2009

quase não somos visíveis no grande rio do tempo


“Imagina que o tempo é como um rio, e que o estamos a sobrevoar num avião. Lá longe, em baixo, consegues avistar as cavernas dos caçadores de mamutes e as estepes onde se cultivaram os primeiros cereais. Aqueles pontos à distância são as pirâmides e a Torre de Babel. Naqueles baixios, os Judeus guardavam rebanhos. Este é o mar que os Fenícios cruzavam nos barcos à vela. Aquilo que parece uma estrela branca a brilhar ali ao fundo, rodeada pelo mar, é na verdade a Acrópole, o símbolo da arte grega. Ali, dos dois lados do mundo estão as grandes florestas sombrias para onde se retiravam os ascetas indianos para meditar e onde Buda teve a experiência da Iluminação. Agora começamos a ver a Grande Muralha da China e, ali ao fundo, as ruínas fumegantes de Cartago. No interior daqueles funis de pedra gigantes os Romanos assistiam ao espectáculo dos Cristãos a serem desfeitos por animais selvagens. Aquelas nuvens escuras do horizonte são as nuvens de tempestade das migrações e foi naquelas florestas, junto ao rio, que os primeiros monges converteram e educaram as tribos germânicas. Deixando aqueles desertos para trás, os Árabes partiram à conquista do mundo, e era aqui que Carlos Magno reinava. Nesta colina, ainda está de pé a fortaleza em que se decidiu finalmente a luta entre o papa e o imperador sobre quem devia ser senhor do mundo. Daqui vêem-se castelos da Idade da Cavalaria e, ainda mais perto, cidades com belas catedrais – ali fica Florença, e ali está a nova Igreja de São Pedro, a causa da ruptura de Lutero com a Igreja. A cidade do México está em chamas e a Armada Invencível está a naufragar nas costas de Inglaterra. Esta nuvem densa de fumo vem de aldeias incendiadas e de fogueiras em que se queimavam as pessoas durante a Guerra dos Trinta Anos. Aquele magnífico palácio no meio de um jardim enorme é o Palácio de Versalhes de Luís XIV. Ali estão os Turcos acampados às portas de Viena, e mais perto ainda estão os castelos simples de Frederico, o Grande, e de Maria Teresa. À distância, ouvem-se os gritos de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, vindos das ruas de Paris, e já se consegue ver Moscovo a arder, e a terra invernosa em que pereceram os soldados do grande exército do Último Conquistador. Ao aproximarmo-nos, conseguimos ver o fumo a sair das chaminés das fábricas e ouvimos o apito dos comboios. O Palácio de Verão de Pequim está em ruínas, e vêem-se navios de guerra a zarpar dos portos japoneses com a bandeira do sol nascente. Aqui, ainda se ouve o ribombar dos canhões da Guerra Mundial. O gás venenoso vagueia sobre a terra. Ali ao fundo, pela cúpula aberta de um observatório, um telescópio gigante dirige o olhar de um astrónomo para galáxias a uma distância inimaginável. Só que agora já só vemos nevoeiro por baixo de nós, e à nossa frente um nevoeiro denso e impenetrável. Só sabemos que o rio continua a correr. Segue sempre em frente, em direcção a um mar desconhecido.
Mas vamos descer até ao rio no nosso avião. De perto, consegue-se ver que é um rio a sério, com ondas como o mar. Está a soprar um vento forte e nas ondas formam-se pequenas cristas de espuma. Olha com atenção para os milhões de bolhas brilhantes que se elevam e depois desaparecem com cada onda. Umas atrás das outras, vêm à superfície novas bolhas e depois acabam por desaparecer com as ondas. Por um breve instante, são elevadas na crista da onda e depois afundam-se e nunca mais são vistas. Nós somos assim. Cada um de nós não é mais do que um pontinho reluzente, uma gotinha brilhante nas ondas do tempo que corre por baixo de nós em direcção a um futuro desconhecido e nebuloso. Quase não somos visíveis no grande rio do tempo. Há gotas novas que estão sempre a vir à superfície. Aquilo a que chamamos destino não é mais do que a nossa luta naquela grande imensidão de gotas entre a subida e a descida de uma onda. Mas devemos aproveitar esse momento. O esforço vale a pena.”

texto de E. H. GOMBRICH | UMA PEQUENA HISTÓRIA DO MUNDO


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